Na passada terça-feira o Director Geral do Ambiente, Moisés Borges, dirigiu-se
a uma audiência algo inquieta e barulhenta para responder a questões sobre o
quebra-mar que foi proposto pelo The Resort Group na praia do Algodoeiro.
O quebra-mar, de acordo com o The Resort Group, é necessário de forma a
assegurar melhores condições de banhos para os turistas que visitam os seus
hotéis, Mélia Tortuga, Dunas e Llana Beach.
De acordo com Victor Fidalgo, o anterior presidente da Cabo Verde Investiments
(empresa responsável pelo desenvolvimento do turismo) mas agora um empregado do
The Resort Group, a ilha do Sal
tem pouco mais para oferecer que praias e este quebra-mar irá atrair mais
turistas e por isso fomentar a prosperidade económica da população do Sal.
Exposed rocks at low tide make entering sea difficult for tourists |
Apesar de ter sido extremamente difícil de conseguir alguma resposta
directa, parece que o quebra-mar não está ainda aprovado apesar de já ter ido
para ser assinado pelo Ministro.
Aqueles que se opõem ao quebra-mar têm diversas preocupações; nomeadamente
que o quebra-mar irá afectar a onda mundialmente famosa da Ponta Preta, que irá
afectar a nidificação das ameaçadas tartarugas Caretta e que a praia na prática
se irá tornar “privatizada”. Estas três preocupações foram considerados
irrelevantes uma vez que, de acordo com o Sr. Borges, há uma insuficência de
provas que suportam a ideia de que haverá algum impacte na onda; que as
tartarugas nidificantes na ilha do Sal representam “apenas” 7% do total da
população de Cabo Verde e que a privatização da praia é um argumento sem
qualquer fundamento.
Turtle nests near breakwater location at Llana Beach |
Apesar de grande parte dos surfistas que compareceram na reunião estarem
bastante sensíveis à questão do quebra-mar e com os ânimos algo exaltados,
parece que isso, por si só, não chega para salvar a praia. Embora o Sr. Borges tenha
admitido que a petição que conta com mais de 5.000 assinaturas foi tida em
conta no processo de avaliação, esta
foi rejeitada uma vez que a grande maioria dos seus assinantes são
estrangeiros. Por diversas vezes o sentimento pareceu ser “vocês não são
engenheiros por isso a vossa opinião não conta”. Assim, parece que o desejo de
preservar o património natural de um país puramente com o objectivo de o
proteger não é argumento suficiente para o governo de Cabo Verde.
Director General Environment Moises Borges |
Além disso, é ironico que quando a única justificação dada para a
construção do quebra-mar seja a de trazer benefício para estrangeiros, o facto
de que embora muitos deles sejam contra este empreendimento, a sua opinião não
seja tido em conta!
Embora seja verdade que apenas 6% dos assinantes da petição sejam
residentes de Cabo Verde, é a prova da importância e da fama internacional da
Ponta Preta para que este empreendimento tenha provocado tal tempestade.
Type of materials to be used |
Em termos de relatórios técnicos, a avaliação submetida pela SOS Tartarugas
deveria ser suficnete para evitar a construção uma vez que o quebra-mar irá
provocar um efeito determinante na já dizimada população de tartarugas que
estão em risco de extinção. SOS Tartarugas analise do AIA.O facto de que o quebra-mar irá ser construído numa
Área Protegida criada pelas Nações Unidas
é também uma questão ignorada. Alguns membros da equipa das Nações
Unidas estavam também presentes na reunião, pelo que devem estar alertados para
o grau de preocupação envolvido. Também a Águas Ponta Preta submeteu um
relatório técnico sobre esta questão, devido à preocupação do impacte negativo
que este projecto possa causar no abastecimento de água dessalinizada.
Parece que a única avaliação tida em consideração foi a que foi preparada
pela construtora, VW-Consultores em Hidráulica e Obras Marítimas, S.A., a
companhia que certamente tem interesses próprios?
Loss of beach caused by a breakwater in Spain |
Claro que é indiscutível que o turismo pode trazer benefícios para o país e
aumentar a prosperidade da população. A questão que se coloca é sobre o tipo de
turismo que está a ser desenvolvido no Sal (e consequentemente, em menor escala,
na Boa Vista). Parece que o único tipo de turismo reconhecido é o modelo do
turismo de massas. O desenvolvimento de um turismo de baixo impacto ambiental,
sustentável e ambientalmente consciente como o turismo desenvolvido à volta de
actividades como kite-surf ou o surf, parace ser muito pouco prioritário.
Uma forma elegante de colocar esta questão pode ser encontrada neste blog: http://bianda.blogspot.com/2013/06/ponto-negro-ii.html
"A luta aqui é entre velhos senhores sentados
num gabinete climatizado, a ver os cifrões a cintilar na imaginação, e uma
geração jovem,que pensa diferente,pensa natureza, quer um vida diferente, mais
justa, mais ecológica para estas frágeis ilhas."
("The fight is between older men who sit in
air-conditioned offices and see dollar signs in their minds and the younger
generation who want a different life, more just and more natural and green for
these fragile islands.")
No waves. No surf. No fish |
É, em todo o caso, discutível quanto emprego será criado, uma vez que
apenas haverá trabalho extra exclusivamente durante a fase de construção. Os
empregos gerados pelos novos hotéis existirão de qualquer forma uma vez que
estes não dependem da construção do quebra-mar.
De acordo com a DGA (Direcção Geral do Ambiente), o projecto foi analisado e
considerado “muito bem cotado” por uma equipa de técnicos altamente
qualificados pertencentes a diversas instituições. Estes peritos, apesar da
evidência clara de todo o mundo que contradiz a sua opinião, acreditam que o
quebra-mar não irá causar danos ambientais irreversíveis.
Tentar alterar a natureza da ilha já teve consequências. A construção de
hotéis que bloqueiam o vento e impedem assim o transporte de areias para as
praias, resultou numa diminuição dos areais nas praias em apenas poucos anos.
Depois de destruir o património natural das prais do Sal, o que virá a
seguir? A exploração mineira do vulcão na ilha do Fogo? A destruição da Cidade
Velha na Ilha de Santiago? As condições mundialmente famosas da Ponta Preta e a
nidificação de tartarugas são bens mais valiosos que uma rápida (e
questionável) solução para criar condições menos que perfeitas para os turistas
se banharem no Algodoeiro. Deixem os turistas virem para a ilha pelo que ela
naturalmente tem para oferecer, é certamente loucura tentar alterar a ilha para
agradar ao turismo de massas?!
Apesar de parecer que o projecto foi já aprovado, o Director Geral do
Ambiente afirmou que há ainda a hipótese do projecto ser interrompido em
qualquer momento se surgir informação técnico-científica suficiente que
comprove os danos ambientais irreveríveis que o mesmo acarreta.
Numa anterior reunião o Sr. Fidalgo rejeitou a petição afirmando que apesar
desta contar com mais de 5.000 assinaturas, ele podia encontrar 10.000 que
seriam a favor do projecto. No entanto, tem sido impossível encontrar uma única
pessoa na ilha do Sal que seja a favor desta construção.
Compreendemos que a Câmara Municipal do Sal, a equipa da Direcção Geral do
Ambiente, bem como o Director Geral do Turismo tenham rejeitado esta proposta,
então quem está de facto a favor? E com tanta oposição, como conseguiu ser
aprovado?
O movimento social criado à volta desta questão é sem dúvida inspirador.
"A questão da Ponta Preta não é se a
geodinâmica altera ou não, se ficam mais tartarugas ou não. Nem se é legal ou
não. A questão é de cidadania. A questão é que várias alterações vão sendo
perpetuadas na frágil ilha do Sal e ninguém fala. Quando um grupo, realmente
ferido na alma, protesta, o poder mostra como tem mão pesada. Decide!..O ponto
essencial, que as autoridades fingem ignorar, é que para todo o fiel, neste
caso os surfistas, que são das pessoas mais religiosas que conheço, quando se
deita um lugar sagrado no chão, isso representa uma afronta que não podem
calcular senhores. Fiquem atentos à raiva gerada."
Amanhã, sábado, dia 8 de junho, Dia Mundial dos Oceanos, as pessoas irão
demonstrar a sua oposição e descontentamento com uma marcha pacífica entre o
centro de Santa Maria e a Ponta Preta, seguindo depois para a praia onde se
planeia a construção do quebra-mar.
Assina a petição aqui..